A coroação da Rainha Isabel II de Inglaterra: as jóias da coroa e o seu contributo para o aparato real.
As Jóias da Coroa britânica têm uma história que remonta a 1661, e, não obstante, o seu simbolismo e preciosidade demonstraram-se perseverantes, mantendo-se até aos dias de hoje. A cerimónia de Coroação da Rainha Isabel II (r. 1953 -) foi uma demonstração de um verdadeiro rito medieval, em toda a sua pompa e circunstância. O foco das câmaras fez com que a Coroação deixasse de ser um termo mítico, na história de uma nação, para ser algo real e tangível. Esta solenidade, até à era fílmica e da televisão, era reservada para poucos que teriam o privilégio de assistir à cerimónia em Westminster, apesar da procissão que precedia e procedia a Coroação poder ser acompanhada pelo povo. A Coroação de Isabel II teve a particularidade de ser transmitida em broadcast, todavia, a dos seus antecessores foi perpetuada através da pintura ou da retratística. É aqui, que encontramos a essência do aparato que se quer transmitido, e qual a mensagem que se pretende comunicar. Os monarcas exercem o papel de médium entre os objetos de ostentação e a simbologia que esses mesmos auferem. A forma de perspectivar o ato da Coroação muda com o passar dos anos, e com a forma de interação dessa mesma cerimónia, com a população. Há cinco momentos essenciais durante a cerimónia da Coroação, que estão absolutamente interligados, e necessitam da validação e cumprimento de um, para dar prosseguimento ao seguinte: o Juramento, a Unção, a Investidura, a Coroação, e a Entronização e Homenagem, por esta ordem sequencial. Em direção à nave central, caminha em passo ritmado, juntamente com as suas seis damas de honor para dar início ao primeiro segmento da cerimónia: O Juramento (The Oath). Este momento é de tamanha importância, por dois motivos: por um lado, a monarca acaba de ser aceite perante a audiência, e abençoada perante a palavra de Deus – «God Save Queen Elizabeth!» – mas, todo o espetáculo da regália é conduzido até ao altar, sendo lá disposto numa demonstração de riqueza, ostentação e brilho, imensos. O segmento seguinte, é a Unção (The Anointing), e sem o qual, toda a cerimónia não faria sentido, unindo os poderes temporal e eclesiástico. Este elemento confere ao soberano a sanção divina ao seu reino, tornando-se o Vigário de Deus [1]. Apesar de as câmaras se encontrarem presentes e ligadas, o momento não é por elas captado. Há algo extraterreno que se sobrepõe e que nos transporta até às origens, onde a Unção sempre foi um elemento central na concretização desta cerimónia. Para o segmento da Investidura (The Investiture), a monarca foi vestida, sobre a túnica de linho, com uma supertúnica bordada a fio de ouro, ajustada à cintura com um cinto, a estola, e, por fim a dalmática. Este é um claro visual statement das duas tipologias de poder que o soberano detém – temporal e eclesiástico – e, apesar de o monarca só ter de responder a Deus, a forma das vestes permaneceu, genericamente, a mesma. Este momento simboliza, através dos objetos, o poder militar, nobre e do bom pastor. O momento alto da cerimónia reside no penúltimo segmento: A Coroação (The Coronation). A estrela é a Coroa de Santo Eduardo, abençoada pelo Arcebispo, e, em passos lentos, vai em direção à monarca, elevando a coroa, enquanto os restantes dignatários se preparam para colocar as suas coroas, em simultâneo com a Coroação da monarca. Assim que a coroa está na cabeça de Isabel II, os trompetes e os sinos ecoam na abadia, e são disparados 62 tiros da Torre de Londres. Sentada no trono de Santo Eduardo, a Rainha está hirta e firme, claramente em virtude dos quase três quilos da coroa, mas também, num momento em que está a ser admirada. A duração da imagem é curta, e apenas será perpetuada através das câmaras, visto que o monarca detém a Coroa de Santo Eduardo durante muito pouco tempo. Este momento, em particular, é o mais instantâneo, mas que representa o culminar de toda a cerimónia. A coroa é um símbolo de distinção, de poder e de demarcação social, principalmente numa era onde a cultura pop iniciou um culto aos ídolos e aos role models, e a Rainha era a imagem de marca de Inglaterra, quase como uma boneca perfeita e imaculada, que detém meio mundo nas suas mãos. O final act passa pela comunhão e a ida para a Capela de Santo Eduardo, onde ainda leva a coroa consigo. Agora, há todo um desfile inverso pela nave central da Abadia, onde, acompanhada pelas seis damas de honor e o Arcebispo, segue para realizar a procissão de volta a Buckingham. Já coroada, a monarca caminha pela Abadia e sai pela porta ocidental, enquanto toca o hino nacional britânico. A cerimónia termina, mas as câmaras não pararam de filmar. Acompanham a ida da Rainha para Buckingham e a subida à varanda, juntamente com a família real. Para uma determinada geração, ver televisão começou com a Coroação. Antes de 1953, ter uma televisão em casa, era algo exclusivo para poucos. Toda a regália esteve exposta perante centenas de câmaras o que obrigou também a um estudo prévio do rito, dos movimentos, onde e como cada objeto ia ser usado. E, apesar da atenção estar maioritariamente voltada para a Rainha, é impossível não fazer uma associação visual entre a monarca e os objetos que a mesma ostentou. Tal como numa produção cinematográfica, os detalhes detêm uma enorme importância e devem ser enquadrados de modo a ser-lhes dado o devido destaque. A ostentação, durante a Coroação, é muito mais do que show-off. É uma carta aberta repleta de metáforas, onde recebe, a cada objeto, uma característica que agora faz parte dele, enquanto soberano. É, no pós-cerimónia, que o carisma do Rei é testado. Mas, naquele momento, ele é o objeto dos objetos; o médium da mensagem que regália pretende passar. Vivemos na era da monarquia mais longa da história, onde tanto já se passou, e Isabel II permanece como um símbolo imaculado de liderança, ordem, justiça e globalidade, tudo características que lhe haviam sido atribuídas pela Coroa, o Cetro e a Orbe. -
[1] - Cf. João D. S., OLIVEIRA, Seminário de Bacharelato em Teologia: Gestão de Conflitos Eclesiásticos, Clube dos Autores, 6 de Setembro de 2018, p. 224. - Um texto de Laura Carvalho Torres. 23-01-2021 |