A Linha desde Barnett Newman a Nam June Paik.
O pêndulo da história da arte balançou sempre entre o que se tornou a estética vigente, o normativo, e o movimento de ruptura, de reacção ao gosto generalizado, por exemplo no que refere a beleza clássica assente na simetria, harmonia e unidade. Por um lado, temos as situações-limite a que o homem chega impulsionado pela premissa dos progressos técnicos; por outro, reitera-se o estímulo que há numa transgressão.
Os puros elementos visuais, restritos a linhas geométricas e cores primárias, convergem numa tentativa de colocar estas como elementos absolutos num espaço intemporal. Este confronto interior deriva da conversão das formas da arte a partir da natureza, como podemos ver na simplificação d'O Homem de Vitrúvio (1490) de Leonardo da Vinci, um estudo que põe a nú a simetria das linhas que delimitam a forma humana. É uma forma de composição harmoniosa com um novo ideal de beleza organizada e compacta, que procura responder ao ser humano, que tem uma tendência natural para a simplificação. Mas a padronização dos elementos permite cortes, anomalias na continuidade ininterrupta, como é o caso de Lucio Fontana. Partindo da utilidade da linha, constatem-se, mais profunda, visceral e literalmente, os rasgos físicos de 'Spatial Concept 'Waiting,'' que o pintor denomina 'conceitos espaciais'. O gesto de pintar é substituído pela laceração da tela em buracos abertos que sugerem um mergulho na sua total profundidade. Ao ferir a tela num gesto de fluidez, enche o buraco vertical de uma forma ausente. Recorde-se a extracção do vazio do corte numa escultura como a de Brâncuși. Na criação, tenta-se executar a mesma ideia mas de uma forma diferente, em proximidade e relação, reprodução e recriação — enquanto desafio das convenções, como discurso do novo, é imedível, pela incapacidade de se representar e pela infinitude da linha. De modo análogo: a recontexutalização do neóne comercial, as esculturas luminosas que Dan Flavin apelidava de 'ícones'. O reducionismo da cor, como na luz branca de ‘The Diagonal Of May 25’ (1963) é passível de extensão nos tubos fluorescentes. Os néones são isto também, uma forma de primitivismo ainda que extremamente avançado tecnologicamente. Haverá diferença entre uma tela de Fontana e uma obra escultórica como 'Tilted Arc' (1981) de Richard Serra, instalada ao longo de trinta e sete metros? E será o espaço ocupado pela escultura diferente da acção de Richard Long em 'A Line Made By Walking'? Aqui, um gesto inédito, tangível, de alguém que esteve presente mas está ausente da imagem, deixou a prova do contínuo caminhar, a repetição do mesmo trajecto na natureza, na ocupação das figuras num plano bidimensional, da delimitação da linha naquilo que é a representação figurativa. Também a linha se separou da cor em tela anteriormente. Seja pelo Suprematismo Russo, por Piet Mondrian e Theo van Doesburg de acordo com os princípios De Stijl, como negação de tudo puro e bom, da oposição à beleza da natureza, a sua relevância impõe-se pelo radicalismo do seu desafio. Veja-se o quadro 'Vir Heroicus Sublimis' (1950-51) de Barnett Newman e o seu excerto 'The Wild' (1951). O abstracto, pintura absoluta, foi a forma de Newman fazer a tradução física de algo maior que nós, optando pela grande escala do quadro, e a revelação artística pela saturação da cor vermelha interrompida pelas linhas verticais, metáfora da nossa posição mínima no vasto sublime artístico. Para esta oposição de vazio e de vasto, veja-se a obra antónima de Newman, 'The Wild' (1950). Com apenas quatro centímetros de largura e cerca de dois metros e meio de altura, isola o elemento central numa composição insular, que surge englobada não numa tela mas na vastidão da parede. A linha recta, o que o artista chamava de 'zip,' remete não só para uma fenda que dá distinção à forma caótica, como serve de linha de criação, de espaço criativo elementar representado pela saturação da tela expandida numa só cor, um vermelho visceral. De forma a equiparar diferentes meios para validar práticas mais correntes, atente-se na obra de ‘Zen For Tv’ (1963) de Nam June Paik, onde uma linha que percorre uma televisão verticalmente ecoa a força da linha de Newman, dividindo o ecrã em dois lados igualmente vazios e uma linha recta que preenche todo o espaço no qual assenta e para o qual esbate. Esta linha recta foi a primeira imagem difundida em televisão na década de 30, contudo tem ainda características premonitórias de uma transmissão do futuro. Do universal ao particular, permeados pelo abstracto que corrompe o absoluto, este apelo provém do iridescente caótico que nos liga aos inomináveis, e do equilíbrio que faz parte de uma obra de arte, onde o invisível e imaterial das emoções que têm forma no objecto artístico desperta uma emoção no espectador, que por sua vez projecta essa emoção na obra, engrandecendo-a, estimulando emoções noutro imaterial, um outro espectador. Imagens - Fontes e Créditos:
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