a relação da pintura com o cinema: A Morte em Veneza (1971) de Luchino Visconti (1906-1976) como caso de estudo.
consideração.
Por Maria da Luz Pinheiro 17-12-2020 A questão em torno da viabilidade da pintura com a emergência da fotografia e posteriormente do cinema, proporcionou e continua a permitir o debate e a consequente produção de investigação. É inegável que os diversos mediums influenciam e deixam-se influenciar mutuamente. O que permite a inegável conclusão que todos os meios têm uma força própria, características distintas e proporcionam abordagens diferentes. Se a fotografia foi buscar inspiração à pintura e a pintura à fotografia, com especial incidência no término do século XIX, também o cinema se deixou influenciar pela pintura. Torna-se até uma constante que extravasa os primórdios do cinema, sendo notória esta influência até em filmes contemporâneos. O interesse reflete-se não só ao nível académico, mas procura também cativar um público mais alargado, sendo produzidos pequenos vídeos nos quais se procura identificar que quadro influenciou determinada cena. A popularidade torna-se tal que estes vídeos se espalham pelas redes sociais conhecendo uma receção muito positiva, a qual atesta a importância da nossa reflexão. O nosso interesse por filmes de época surgiu desde muito cedo, dada a nossa formação em história de arte. Tornando-se para nós inquestionável o facto destas obras apresentarem-se como uma fonte de análise fundamental. Mais ou menos fiéis ao período que se propõem a tratar, conseguimos detetar um trabalho de investigação desenvolvido pelas equipas de produção, o qual deve merecer o nosso interesse. Neste sentido, a esfera de filmes de época produzidos por Luchino Visconti (1906-1976) foram presença constante da nossa vida e fazem parte da nossa biblioteca cinéfila. Produções como Senso (1954), O Leopardo (1963), ou a Morte em Veneza (1971), apresentam nas suas imagens verdadeiros quadros vivos, produzindo cenas icónicas que marcaram as nossas memórias, das quais destacamos o baile no qual Claudia Cardinale (1938) dança com Alain Delon (1935) n'O Leopardo. O rigor ad nausea de Visconti é conhecido, basta recordar as entrevistas proferidas por Alain Delon, no qual este fala do seu trabalho n'O Leopardo e da sua relação com o realizador, em que os detalhes para a construção das personagens era algo muito importante para Visconti. Quando vemos estes filmes, rapidamente recordamos algumas obras do final do século XIX e início do XX, nas quais são representadas várias cenas da vida social daquele tempo: bailes; soirées; idas à ópera/ teatro, entre outras. Esta tendência da utilização da obra de arte como fonte se inspiração para o material cinematográfico é ainda de referir noutro grande nome do cinema neorrealista italiano - Pier Paolo Pasolini (1922-1975) que retrata uma reinterpretação da Descida da Cruz de Rosso Fiorentino (1494-1540) no filme La Ricotta (1963). Visconti, no filme A Morte em Veneza, que visa abordar a obra redigida por Thomas Mann (1875-1955), recorre igualmente à construção de quadros vivos, através das suas personagens e cenários, que têm clara influência da arte do período em questão. No cinema de temática histórica, a obra de arte constitui-se como uma importante referência, pois ao ser um testemunho do período em que foi criada, confere importantes detalhes como trajes; ambientes; hábitos; entre outros aspetos. Ao recorrer à obra de arte como fonte de inspiração, permite também ao olhar do historiador da arte encontrar essa clara proximidade, como nas cenas que representam a vida da alta sociedade nas estâncias balneares e que recordam de um modo gritante as obras de Joaquín Sorolla (1863-1923). Existem, no entanto, outras cenas que retratam a vida social no hotel em que se passa a trama do filme, nas quais as senhoras trajam o mais elegantemente possível e que nos remetem para obras como as de Jean Béraud (1849-1935); James Tissot (1836-1902), entre outros nomes, cuja carreira artística foi realizada retratando nas suas obras (entre outros motivos) a vida da alta sociedade. Ao olharmos para estas obras, compreendemos a genialidade e rigor que o realizador procura conferir aos seus filmes de época. Não só recupera corretamente os ambientes, mas também as atividades praticadas pela alta sociedade do final do século. Visconti dá-nos intencionalmente essa sensação com planos longos que nos permitem apreciar cada detalhe, cada personagem como se na tela cinematográfica desse vida às personagens representadas nas obras de arte deste tempo. A reconstrução estética dos espaços, das refeições e do luxo do qual as personagens beneficiam, permitem ainda remeter para as várias cenas de refeições seja nos cafés; restaurantes; casas de chá aos quais as sociedades elegantes acorrem vestindo ricos trajes; chapéus; leques; luvas, entre outros elementos que complementam o traje feminino e que conferem uma riqueza cromática e visual às cenas representadas. Durante a totalidade do tempo, o espectador é colocado dentro do filme como se fosse ele mesmo uma personagem daquele tempo a viver com as personagens uma Veneza elegante, destinada a férias de Verão das altas camadas sociais, como era habitual deste tempo. O espectador é convidado a deixar-se levar pela beleza estética e cromática das cenas que observa. - Um texto de Maria da Luz Pinheiro 17-12-2020 |