Adolf Loos dixit.
Quando decidiu responder ao inquérito de Mokrý, Loos não sabia que um século mais tarde a sociedade iria quase totalmente ao seu encontro.
Quando decidiu responder ao inquérito de Mokrý, Loos não sabia que um século mais tarde a sociedade iria quase totalmente ao seu encontro.
Opinião
Por Eduardo Reynaud 01-12-2020 Em 1924, Adolf Loos (1870-1933) enviou as suas respostas a um inquérito criado por František Viktor Mokrý (1892-1975) sobre o ornamento, lançado na revista checa “Náš Směr”, que tratava de desenho e educação estética. As perguntas de Mokrý iam naturalmente ao encontro dos interesses de Loos, que já em 1908 publicara o seu infame texto “Ornamento e Crime”. O checo colocou questões como “Será que o homem moderno precisa do ornamento?”. Loos começa por responder direta e impiedosamente a esta questão, dizendo que “O homem moderno, o homem com o atual autodomínio, não precisa do ornamento – pelo contrário, ele detesta-o”. De facto, Adolf Loos dixit. “Nenhum dos objetos a que chamamos modernos tem ornamento. Depois da Revolução Francesa, todas as nossas roupas, máquinas, artigos em pele e todos os artigos de uso diário deixaram de ter ornamentos”. E não é verdade? Não se mantém isto verdade? Arrisco dizer que o pico do design moderno, nosso contemporâneo, alicerçado no status do consumo e a uma consciência de qualidade de execução, será a estética criada por Jonathan Ive (1967-) para a Apple, que através do design característico do ecossistema criado para a companhia americana, define a contemporaneidade pela recusa total e absoluta do ornamento na execução e criação de uma modernidade utilizável. Aqui não entram para a equação as Belas Artes. Fala-se do que Loos falava, dos “artigos de uso diário”. Conseguimos imaginar um iPhone com o metal da sua traseira gravado? Ou um MacBook com folhas de acanto a rematarem os seus chassis? Seria anedótico pensarmos nisso. O ornamento na atualidade está quase totalmente – arrisco dizer “ainda bem” – afetado às criações da high fashion, como são exemplos a luxuosa Gucci – que apesar de tudo usa de maneira inteligente o seu logótipo para o efeito ornamental de muitas peças – ou à menos feliz Versace, que aos olhos do cidadão contemporâneo, possui de maneira inata um cariz menos moderno do que as criações de outro atelier. A noção da rejeição orgânica do ornamento por parte da Humanidade ditada por Loos ainda no século XIX será certamente hoje empiricamente comprovada, diga-se, sem grande esforço. As sucessivas críticas do mestre austríaco falharam de facto muitas das vezes pelo excesso de sarcasmo e incoerência prática (principalmente na sua obra de arquitetura), mas é-lhe inegável a qualidade nas afirmações contestadas pela sua contemporaneidade, como são exemplos as criações ainda Jugendstil dos seus pares, tão criticados por si em artigos como “Descaracterização Cultural” (1908) ou “Acerca de Josef Hoffmann” (1931). Adolf Loos dixit. Sigamos o mestre. * Todos os artigos e citações aplicados neste artigo poderão ser lidos na totalidade através da exímia tradução de "Ornamento e Crime" [1931] (2014), por parte de Lino Marques para as Edições Cotovia. Adquirível aqui. - Um texto de Eduardo Reynaud. 01-12-2020 |