Apontamentos sobre Street Art.
Há uns tempos (em 2019), foi leiloada, no Palácio do Correio Velho (PCV), uma obra de VHILS, tendo o preço de martelo chegado perto dos 50 mil euros [1]. As obras do artista, AKA Alexandre Farto, têm vindo a marcar uma presença cada vez mais assídua no mercado secundário, não só nacional como internacional (num leilão da Sotheby’s, em 2018, uma obra sua foi vendida por 15,5 mil euros; outra obra, também na PCV, atingiu os 30 mil euros). Esta presença no mercado dos leilões é o resultado do desenvolvimento da sua actividade artística, disseminada a nível mundial, presente no campo de visão de mais e mais gente, de ano para ano. É da natureza da Street Art dar-se a ver, manifestar-se como elemento da urbe chamando a atenção dos transeuntes. Trazendo para dentro de quatro paredes, e noutros suportes, o que se faz na rua, os “artistas urbanos” aproximam-se do restante mundo da arte (institucionalizado). Com a participação das suas obras em leilões, aproximam-se do mercado da arte tradicional. (Se observarmos o caso de Banksy, conseguimos ainda perceber melhor a dimensão que a Street Art está a ganhar no mercado da arte. Bem como podemos perceber algumas contradições entre o valor das assinaturas e da componente da popularidade do artista na atribuição do preço, estando a qualidade da obra completamente desligada do valor financeiro [2]). Existe uma homogeneização em curso das diferentes práticas artísticas, patrocinada pelo mercado. Se a contemporaneidade nos diz que “tudo pode ser arte”, o mercado diz-nos “toda a arte é válida desde que renda”. Continuando no exemplo da Street Art. Esta já não pertence apenas à rua – e o que aparece nas ruas é bastante diferente do que era habitualmente visto nos seus primórdios (em forma e em conteúdo). A rua está aí como local de exposição “livre”, e serve como plataforma de lançamento para a prática artística, comercialmente ou não. Aquilo que é feito no atelier pode ser feito na rua e, se resistir às higienizações, ficará à mercê de milhares de olhares – e câmaras de smartphones e migrações para perfis de redes-sociais – cada um com diferentes níveis de análise (do comum-cidadão ao crítico-marchand). Hodiernamente, nada conta mais do que ser visto. A atenção do público desperta o interesse do mercado. A necessidade de sobrevivência, faz com que o artista transforme a sua obra em mercadoria. Desta forma, estão as condições reunidas para este “nicho” artístico prosperar financeiramente e, por conseguinte, atingir o mesmo “estatuto” das restantes práticas artísticas . Se por um lado, a prosperidade financeira facilita a divulgação da mensagem; por outro lado, pode levar à diluição dessa mesma mensagem – não deixa de causar uma certa estranheza ver uma forma de arte anti-sistema na sua origem ser absorvida pelo mesmo sistema que se habituou a combater/criticar. Na sua famosa série televisiva (e livro) “Ways of Seeing”, John Berger fala de como a publicidade se aproveita da arte para “legitimar” o seu conteúdo. As imagens publicitárias aludindo a elementos da cultura erudita validam o que é desprovido de erudição: detergentes, cuecas, carros, comida – não despiciendo o conhecimento necessário para os executar. Somos constantemente bombardeados por elementos publicitários apresentando-se como solução para os nossos problemas, como ideais de vida, de ser e de estar, mostram o parceiro ideal, o animal de estimação perfeito. A Street Art, na sua vertente – a meu ver – mais interventiva e mais interessante, pirateou essa prática publicitária e virou essa manifestação do consumismo contra ele próprio. No entanto, consequências dos tempos que correm, a Street Art foi (re)absorvida. A sua essência contestatária é diluída pelo aproveitamento da mesma para servir de base a campanhas publicitárias. A arte é posta na rua e é para ser vista. Ninguém consegue melhor um “pedaço de rua” que uma grande empresa. O conteúdo faz-se chegar às massas através dessa apresentação do produto numa linguagem que é apreciada. Obviamente, que o que aqui digo não é transversal a todas as práticas artísticas. Estes apontamentos um tanto ou quanto desconexos e triviais visam apenas dar conta do movimento do mercado, que transforma e molda a seu proveito (diluindo e fazendo desaparecer o que lhe faz frente), tendo em conta as necessidades e gostos das massas (passivas e activas). - [1] Consultável em: https://www.pcv.pt/auction-lot/vhils-decrease-17-dim-aprox-181-x-125-cm_78D466E9CE. [2] Exemplo em: http://expresso.sapo.pt/cultura/banksy-vende-a-50-euros-quadros-que-valem-milhares=f835583. |