"Atlantida": o caso de José Malhoa nos intercâmbios culturais entre Portugal e Brasil
Analisar o intercâmbio artístico-cultural entre Portugal e Brasil nos finais do século XIX e inícios de século XX através do periódico Atlantida (1915-1920) permite pensar o panorama artístico e a rede de artistas cujas obras se deslocaram entre os dois territórios. Com sucesso, a obra de artistas como José Malhoa (1855-1933) foi apreciada tanto em Portugal como no Brasil, celebrada especialmente no Rio de Janeiro, devido às suas numerosas exposições no contexto da Escola Nacional de Belas Artes.
O periódico Atlantida, mensário artístico, literário e social para Portugal e Brazil foi publicado entre os anos de 1915 e 1920, num total de 48 números, executado sob a direção de João de Barros (1881-1960) e João de Rio. Apesar do seu cariz artístico, literário e social, as publicações da revista diriam igualmente respeito a outras matérias, desde economia a política internacional, contendo ainda uma secção regular designada de “Notícias e comentários”, ocupando usualmente as últimas páginas de cada edição. Relativamente às artes plásticas, a revista contava com as redações de Aquilino Ribeiro (1885-1963) denominadas de “O mês artístico” e, por vezes, incluía reproduções de desenhos e pinturas de artistas como Almada Negreiros, António Carneiro, Columbano Bordalo Pinheiro, Raul Lino e, entre outros, José Malhoa. Sendo a produção pictórica de Malhoa decisiva no intercâmbio cultural transatlântico entre Portugal e Brasil, será explorada a relação entre o artista e personalidades brasileiras suas contemporâneas, desde Rodolfo (1852-1931) e Henrique Bernardelli (1858-1936) à crítica de Arthur de Azevedo (1855-1908) e Gonzaga Duque (1863-1911). Das diversas temáticas do periódico, destaco as publicações que a este intercâmbio cultural dizem respeito; entre os vários volumes da revista, encontram-se na primeira metade de volumes os ensaios mais pertinentes, como “Brazil-Portugal” de Victor Viana (1881-1937), “Os Portuguezes no Brazil” de Alberto de Oliveira (1873-1940), “Aproximação artística entre Portugal e Brasil” de Mário Navarro da Costa (1883-1931) e, indo ao encontro do intercâmbio cultural entre os dois países, “Aproximação artística luso-brasileira” de João de Barros, diretor da revista. Revelando a principal tónica de Atlantida, Victor Viana afirma no seu ensaio “Brazil-Portugal" (VIANA, 1915, pp. 101-102): a obra que se inicia com esta revista é sumamente util. Portugal precisa conservar no Brazil o seu melhor mercado intelectual, um dos seus melhores freguezes e precisa ter no nosso país o campo natural da emigração que, como todos reconhecem hoje, é util para os paizes europeus, como a emigração para as nossas patrias americanas. O Brazil necessita de Portugal, porque os emigrantes e os produtos portuguezes, os livros e os costumes lusos não nos desacionalisam e ao contrário entre colonos de povos diversos são auxiliares da assimilação que operamos. (...) Parece-me que o fim d’esta Revista é fortemente dissipar preconceitos e ignorancias e fazer com que as criticas respectivas acompanhem reciprocamente o movimento intelectual, politico e literario dos dois paizes.” Embora possam ser estabelecidos alguns paralelismos e aproximações, a relação artístico-cultural entre Portugal e Brasil não era completamente recíproca [1]. Tendo como referência o panorama de intercâmbio cultural entre os dois países na viragem do século, podemos afirmar que a frequência e divulgação das exposições de artistas portugueses no Brasil, nomeadamente no Rio de Janeiro, teriam maior visibilidade do que a arte brasileira no contexto português.
No início do século XX, a relação artístico-cultural entre Portugal e Brasil demonstrava uma certa afinidade e um intercâmbio cultural, proveniente da vontade de fazer exibir trabalhos de artistas estrangeiros no território nacional brasileiro, entre os quais portugueses. “No meio brasileiro a presença desde o final do século de críticos de arte estrangeiros como Ramalho Ortigão (...) e a constância de seus escritos em diversas colunas de periódicos brasileiros (...) demonstram a importância das relações artísticas entre Portugal e Brasil, também dentro de um circuito intelectual.” (VALLE, 2012, p. 350). As exposições coletivas de pintores portugueses tornavam-se cada vez mais recorrentes, integrando artistas como Columbano, Ernesto Condeixa e José Malhoa. A Escola Nacional de Belas-Artes (ENBA) exercia na viragem do século a função de principal museu de arte do Rio de Janeiro, onde se exibiam pinturas de artistas nacionais e estrangeiros. Destacava-se a produção pictórica de José Malhoa, que estabelecera contactos com os artistas plásticos brasileiros, como os irmãos Rodolfo e Henrique Bernardelli durante a década de 1880. A relação cordial entre estas três personalidades pode ser observada a partir de uma carta que o artista português escreveu a Henrique Bernardelli: Meu caro Henrique: A partir de 1902, Rodolfo Bernardelli, diretor da Escola Nacional de Belas-Artes, faria parte da comissão que decidiria quais seriam as obras de artistas portugueses que integrariam a coleção da ENBA. Entre os quadros adquiridos através de uma exposição de artistas portugueses no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, salientam-se algumas produções de José Malhoa, como A Sesta, A corar a roupa (Fig. 4) e Gozando os rendimentos. Sobre esta exposição, o crítico de arte e colecionador brasileiro Arthur de Azevedo escreveu em A arte portugueza. O Paiz, Rio de Janeiro, 24 jul. 1902: Em Lisboa uma Sociedade Nacional de Bellas Artes, que pelos modos, desempenha perfeitamente o seu programma. Pelo menos, foi ela quem promoveu essa Exposição de Arte Portugueza, há dias inaugurada no salão do Lyceu de Artes e Ofícios, por diligência do distincto cavalheiro Sr. Guilherme da Rosa, delegado daquella sociedade. (...) A obra de José Malhoa esteve patente em várias exposições brasileiras de relevo, entre as quais, em 1879, a Exposição Geral de Bellas Artes, Secção Portuguesa, na Sala dos Braganças, na Typografia Nacional do Rio de Janeiro; em Julho de 1903, a Exposição de Belas Artes no Rio de Janeiro, que incluía a obra Clara ou Torcendo a Roupa (1903); entre 4 e 22 de Julho de 1906, a convite de Ramalho Ortigão, a Exposição Malhoa no Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro; no mês de Abril de 1908, a Exposição Nacional do Rio de Janeiro, que incluiu obras como A Procissão (1903) e Os Bêbados ou Festejando o São Martinho (1907). [1] RODRIGUES, Weslei Estradiote — Arte e sociedade no Brasil e em Portugal no final do século XIX pelas trajetórias dos pintores Almeida Júnior e José Malhoa. São Paulo: 2019, p. 1073. [2] Carta escrita por José Malhoa a Henrique Bernardelli, no ano de 1908. Arquivo histórico do Museu Nacional de Belas-Artes, Rio de Janeiro. - Bibliografia citada:
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