Brad Kunkle e a leveza da tradição.
Crítica Por Eduardo Reynaud 12-11-2020 Raul Lino afirma, quando acusado de ficar ajoujado pelo peso da tradição, que esta lhe pesa tanto como as costelas e também delas não se tenciona livrar. A Brad Kunkle, artista nascido em 1978 na Pensilvânia, nos E.U.A., tampouco lhe pesará a tradição. Será ensinado por George Sorrels, direto descendente académico de William Adolphe Bougereau, por interposto de um pupilo do famoso pintor, na Universidade de Kutztown. A característica mais famosa e evidente da sua obra será, sem dúvida, o aplicar de folha de ouro, e prata, em grandes e lascivas quantidades na superfície das suas telas. De facto, mais do que ser uma adição decorativa às suas peças, a aplicação destes materiais peja as suas obras de informação, tornando tudo o resto uma quase envergonhada demonstração de forma, transformando as cores num luxo e o ouro numa verdadeira necessidade. Pintor do que o próprio considera um “Simbolismo Surrealista”, Kunkle não se limita a ser um mero dourador, utilizando um grande arsenal de técnicas e de informações que vai estudar à História da Arte. Por influência direta de Sorrels, aliará ao douramento a técnica da grissaille – pintura monocromática – que o ligará a Jan van Eyck ou Robert Campin e que elogiará pela verdade que incute à obra. Para Kunkle, tal como uma fotografia a preto e branco, é a forma e a profundidade aparente que dão verdade ao que é representado. A cor fica, para o autor, em segundo lugar na composição. Desde cedo o seu imaginário e gosto pessoal derivarão para as esferas de Max Parrish e, de suma importância para uma referenciação histórica da sua obra, para o Pré-Rafaelitismo. O gosto inerente por estes mundos levará o autor a fruir da natureza com um gosto especial, principalmente pelos quase sufocantes bosques impressos nas suas obras de melhor qualidade, como são exemplo Mare Imbrium ou Revelen. Em Revelen somos imediatamente levados para o imaginário shakespeariano da Ophelia de John Everett Millais, neste descolar da realidade tátil, neste embrenhar da proporção humana pela divinizante, embora arcana e dourada natureza. Este neomedievalismo figurativo de Kunkle será um saudável e bem-sucedido utilizar da tradição para trazer à contemporaneidade uma sensibilidade francamente intemporal, em que o fascínio pelo reclamar dos corpos humanos pela Natureza continua a alimentar o imaginário do artista. Não poderei deixar de mencionar as proximidades da obra de Kunkle ao dito Simbolismo de Gustav Klimt e dos paralelos evidentes entre a obra destes dois artistas. A obra Trinity, de Kunkle, ressoará de maneira ensurdecedora com a já destruída Medizin ou com a ainda existente Goldfische, do secessionista austríaco. As ligações maravilhosas entre o lirismo fascinante do flutuar das figuras das obras de Klimt encontrarão em Kunkle ecos fiéis à sua sensibilidade original, não esquecendo as ainda presentes, mesmo que involuntariamente, influências japonistas da verticalidade da tela e dos espaços vazios, que permitem o respirar da composição, muito característico da arte fin-de-siécle, especialmente em territórios contíguos à Arte Nova. O fascínio por Kunkle ultrapassa a mera admiração pelos materiais preciosos ou a riqueza imaginativa das suas composições e residirá sim na mestria da coreografia entre o douramento e a grissaille, no lirismo da mensagem, nos sentimentos fortes, embora subjetivos, que as suas realidades simbolistas imprimem no nosso imaginário. - Um texto de Eduardo Reynaud 12-11-20 |