Interdependências e relações entre artistas e os museus de arte contemporânea.
Numa era onde as fronteiras da arte contemporânea se redefinem constantemente, as dinâmicas no interior das instituições museológicas também se modificam, garantido novas abordagens. A arte contemporânea, permeável à construção individual do quotidiano, criou indubitavelmente novos paradigmas à musealização, onde as relações e narrativas se adaptaram, num jogo constante entre a crítica, a história, a instituição e a conceptualização das obras. O diálogo entre instituições e artistas tornou possível um conjunto de práticas, sobretudo depois do surgimento da Fluxus, onde artistas como Daniel Buren, Marcel Broodthaer, Claes Oldenberg, Michael Asher, entre outros, foram simultaneamente curadores, críticos e museólogos, traçando uma nova fronteira através da qual os próprios museus que os acolheram foram obrigados a reajustar as suas normais políticas expositivas, que permanentemente alteraram as práticas museológicas globais.
A partir dos anos 50 do século XX passou-se a fazer uma distinção entre o moderno e a arte contemporânea. A arte contemporânea, baseada nesta linha temporal, passou a albergar tudo o que seria a arte do presente. Contudo, após 70 anos, entende-se que a arte contemporânea se entendeu e que o contemporâneo é mais do que um conjunto de produções artísticas que advêm de um segmento cronológico. Certo é que os museus de arte contemporânea fixam uma imagem para o futuro, mas esta imagem não aparenta reservar muitas mais surpresas, nem diferentes perspetivas desconhecidas. A arte dos dias de hoje é sempre uma espécie de “pastiche”, uma assemblagem de coisas ligadas por um cordão conceptual que distingue uma obra contemporânea de outra, sobre um filtro organizado de ideias que se baseia sobretudo em experiências individuais. A propósito da apresentação de Fountain de Marcel Duchamp (1917), diversos livros e artigos foram escritos a respeito da transgressão da obra “incompleta” no espaço do museu. Ao ser exposta como readymade, foi o próprio museu que a validou como obra de arte pronta a fruir, assim, o ato de escolha foi suficiente para se estabelecer o processo artístico, o que permitiu um ponto de viragem na forma como se pensa a arte. Também Alfred Barr, diretor do MoMA (1929-1943), ao instituir que a colocação das obras deveria ser feita num espaço neutro, causou impacto nas políticas expositivas de museus internacionalmente e modificou a forma como os artistas vêm as suas obras nos espaços das instituições. Esta formulação iniciou um modelo de projeção de espaço neutro expositivo que começou a ser adotado e disseminado como um exemplo a seguir. Anos mais tarde, esta enunciação de Barr abriu caminho para que grupos de artistas, equacionassem o próprio espaço do museu, contestando a sua ideia de white cube. Embora o termo só tenha surgido em 1976, artistas no final da década de 60 e início da década 70, tentaram colapsar estas fronteiras entre o cubo branco neutro iniciado por Barr. Robert Smithson com Spiral Jetty (1970) é um exemplo deste desmoronar de fronteiras nos museus. Para Smithson, uma obra de arte deveria resistir à estética anémica induzida pelo branco antissético das paredes das galerias. Estas novas introduções e formas de pensar a arte, tornaram-na mais conceptual e forneceram liberdade para que os artistas pudessem ter uma relação mais intensa com as próprias instituições que os acolhem. Assim, a partir dos anos 60, a intrusão da arte explorando os diferentes aspetos e assuntos subjacentes dos museus e galerias tornou-se uma constante. Muitos dos trabalhos relacionavam-se diretamente com as coleções dos museus e seus múltiplos espaços, como forma de enfatizar, celebrar ou criticar as próprias instituições, usufruindo de múltiplas abordagens que iam desde a comercialização artística, às políticas da coleção ou à ideia de arquivo e de gabinetes de curiosidades. Assim, esta relação de mútua interdependência entre artistas e museus de arte contemporânea deverá ser equacionada como resultado de uma multiplicidade de fatores que passam pelas práticas museológicas, à estruturação de novos pensamentos críticos, ao individualismo e ao valor da própria história. A arte contemporânea pode ter provocado ruturas e imposto novos desafios, mas cabe ao museu esta procura, intrínseca à condição da arte dos nossos dias: a de restaurar a ligação e comunicação com o seu público. Um texto de Bárbara Andrez.
17-02-2021 |