ISOLATION
ISOLATION é constituído por um conjunto de ambientes fotográficos e auto retrato.
Baseado na realidade e tendo na sua raiz o confinamento provocado pela pandemia do coronavirus, surgiram-me algumas perguntas, entre elas, esta em particular: O que é a realidade interior, física e filosófica nos dias de contenção? Ao reler "A Era do Vazio", de Gilles Lipovetsky, fiquei a pensar sobre o que somos e o que fazemos. Defrontei-me, que hoje vivemos aprisionados, em nós próprios, sem podermos fazer o que desejamos. Estamos condicionados. A liberdade que tanto falamos e conquistamos parece que se está a esgotar. Existe uma certa resignação, do que somos, queremos e fazemos. Vivemos vidas paralelas - Aquela que pensamos e aquela que nos é possível ser. E, nesta dicotomia/dilema deparei-me com a consciência de vários estados psicológicos que nos estrangulam e nos remetem para determinados sentimentos. Daí a escolha de quatro paredes como cenário para este ISOLATION viver. Surgem estados de ansiedade, depressão, loucura, desejo e desespero, angústia, medo e frustração. Também alguma esperança e vontade, sim, mas rapidamente abaladas por descrenças e notícias falsas. Que promovem fossos dentro de cada um de nós. É neste lugar que habitam estes estados, nestas fotografias. Escolhi a cor sépia para as fotografias pela ambiência "sonora" que ela me remete, ou seja, uma certa apatia e claustrofobia presen-tes. Como se fossem gritos ocos de medo, de pânico e de incerteza tanto do hoje bem como do amanhã. ISOLATION veio a revelar-se uma surpresa, pela possibilidade de mesmo confinado a quatro paredes, existir uma libertação emocional que ultrapassou a barreira física. Estas fotografias são, a minha visão do que outros sentem e, ou sentiram, também nestes mo-mentos que todos vivemos. Maria do Carmo Serén, sobre a série "ISOLATION", disse em Novembro de 2020: "Comecei a olhar esta narrativa, (porque é mesmo uma narrativa em imagens de um comportamento obsessivo) com a ajuda do Lipovetski da Era do Vazio, tentando reencontrar o olhar de Flávio Andrade. Nessa obra sobressai o papel desumanizador das próteses e da propaganda, aquela forma como a biotecnologia e a nova farmacopeia química de análise e bloqueio molecular alteram profundamente o nosso corpo físico e fisiológico. Vi o paralelo com as tecnologias digitais usadas para expressar ritmos internos do comportamento, o fluo ou esbatimento, a sobreposição, a duplicação, a sépia envelhecida, a manipulação, a imagem sobre a imagem, sobre a imagem… A Era do Vazio fala da homogeneização do indivíduo e das massas e aqui é, decididamente, o inconsciente que fala da falta, essa falta que faz o nexo da Psicanálise e aqui se consubstancia na falta do contacto direto. Essa centralidade mostra-nos que a dominância do contacto digital se revela insuficiente e a nossa vocação se mantém social e não socializante. Esta narrativa é, ainda, sobre o efeito em nós de uma falta de sentido de uma existência, alheado da verdadeira escolha e opção que, naturalmente, acumula inconscientes medos e frustrações, atualizando o secreto pequeno mundo de que fala Murakami com novas regras aleatórias e temores renovados. O inconsciente Pequeno Mundo, elaborado com imagens e palavras recalcadas, não é, não é totalmente, o de Flávio Andrade, que é o autor da sua representação, mas é o do que o confinamento representa para todos nós. E aí, porque é imposto ou mesmo autoimposto é a perda da liberdade e da sociabilidade direta. que fomos perdendo sem o notar. E aí, e sempre de novo Foucault e o seu conceito de sociedade disciplinar e de controlo, onde a normalidade é a primeira regra. Perdida a sociabilidade direta a representação de si vai-se desgastando. Não há cuidados com o corpo, não há conforto, não há necessidade de roupa; ficam os signos da perda, as máscaras, as feridas, a visão perdida, (os óculos clínicos, o olho no vaso de hospital…), o movimento limitado (belíssima a composição da dança com as sombras), a anormalidade das formas e das ausências, o grito e o pânico. O contexto degradado, elementar, desprovido, (a cadeira só para nos lembrar Mapplethorpe e o desejo) é o da nudez e a desordem do inconsciente, da incompletude e da falta. Não são imagens de um qualquer apocalipse, mas o sentir do homem entregue a uma parte de si mesmo. No confinamento não há exposição de si, onde o inconsciente fala de poder e o consciente intencional traduz como prestígio, capacidade ou incapacidade, esperança ou esquecimento, ação ou projeto memória. Não há a perversidade da dúvida e do remorso, nem o discurso da vida normal, há apenas o que escapa ao controlo do sujeito, a explosão do pânico, da anomia do social. E, no entanto, estas imagens são perversas, porque nos dizem a matéria imagética que desliza para o secretismo do inconsciente e aí constrói o não dito e o não pensado, como se o homem juntasse em si, bem oprimido e ocultado, todo o mal de que o mundo é feito, pronto a explodir em cada crise da normalidade aprendida. São ainda perversas porque são belas." Uma produção de Flávio Andrade.
09-02-2021 |