pequena consideração sobre a relação entre a fotografia e o Impressionismo através de Kirk Varnedoe.
consideração.
Por Diana Sommer 14-11-2020 São artigos como Art and Photography de Aaron Scharf, publicado na década de 60 do século XX, que encorajam várias comparações entre a fotografia e o Movimento Impressionista, entendendo que as inovações pictóricas destes pintores em muito deviam ao impacto causado pelas fotografias da época. O historiador da arte americano Kirk Varnedoe (1946-2003) desenvolveu vários estudos e participou em diversas publicações sobre obras de arte modernas e contemporâneas, entre as quais se destaca “The Artifice of Candor: Impressionism and Photography Reconsidered” de 1986. Contribuindo para o debate acerca da influência mútua entre a pintura e fotografia, faz referência à obra de Scharf, e explica o modo como a fotografia poderá ter influenciado a pintura ao longo do século XIX e o modo como a mais tarde apelidada “visão fotográfica” dos impressionistas se desenvolve no mesmo período. Para Varnedoe, o uso da fotografia, enquanto elemento de inspiração ou suporte, não pode determinar nada de significante na natureza de uma pintura impressionista e no que nela se quer transmitir, defendendo que, por falta de provas concretas, a fotografia não influenciou estas pinturas no seu significado nem na sua composição ou organização espacial. Apesar de vários fotógrafos ao longo do século terem começado a explorar perspetivas pouco ortodoxas e pouco comuns, não lhes pode ser atribuída essa novidade. Tal como o autor demonstra, esta exploração surgiu como uma mera curiosidade natural desde o início do uso sistemático da perspetiva na pintura — alguns artistas preferiam rejeitar as convenções estabelecidas e exploravam o lado mais peculiar e expressivo das estruturas espaciais, como são exemplo Pierro de la Francesca, Uccello, entre outros artistas do século XV, tal como artistas holandeses de meados do século XVII e finalmente artistas do Realismo e Romantismo, durante o século XIX, como Delacroix e William Turner, cujas obras influenciaram de maneira clara o modo de expressão impressionista. Pelo contrário, a maioria das imagens fotográficas, demonstravam a preocupação de seguir as regras da tradição pictórica, de modo a serem aceites enquanto uma nova expressão artística. Kirk Varnedoe reforça a ideia de dois modos de representação: a Clássica, clara e completa, e a Barroca, com sugestões de ideias, representações parciais ou até distorcidas, que capturam movimento, que acabaria por ser a mais explorada pelos pintores, mas também, involuntariamente, pelos fotógrafos que usavam câmaras de exposição lenta que capturariam “vultos” do movimento dos objectos, e principalmente a partir de 1888, aquando da invenção da Kodak, que permitiu a exploração de ângulos e composições não convencionais por parte de uma série de fotógrafos amadores. Assim, a crescente difusão da fotografia, enquanto novidade, poderia ter encorajado um consenso de tolerância dos modos de representação que atualmente são chamados de “visões fotográficas”, mas na verdade estes modos de representar começaram a ser explorados muito anteriormente. No entanto, estes aspectos da pintura anterior ao século XIX são pouco estudados, levando à ilusão de que a fotografia os criou e os dominou, havendo assim uma “falha de compreensão histórica”, como afirma o autor. Como tal, o que Varnedoe pretende consolidar é a ideia de que ambas as técnicas demonstram ritmos de progresso diferentes, em separado, e isto significaria que uma pintura oitocentista pode partilhar características formais com uma fotografia, sem ser de qualquer modo influenciada pela prática fotográfica, visto que várias obras anteriores a esta invenção já possuíam qualidades, mais tarde nomeadas, “fotográficas”, no que toca ao trabalho da luz e das estruturas espaciais. Para explicar estas dissemelhanças, o autor recorre a alguns exemplos, como as diferenças entre a pintura Place de la Concorde de Degas, com várias fotografias estereoscópicas da cidade na década de 1860. Ao contrário do que acontece com estas últimas, Degas representa as figuras segmentadas, sobe a linha do horizonte e cria o espaço vazio sem utilizar estas imagens como referência. A pintura Boulevard des Capucines de Monet, que representa várias pessoas em movimento num efeito de blur, terá semelhanças a fotografias suas contemporâneas, que continham um efeito semelhante, mas não propositado. Ao contrário de Monet, os fotógrafos não queriam criar uma atmosfera, sendo apenas o resultado de uma ação automática. Também a representação de um café parisiense por parte de Manet demonstra um ambiente movimentado e espontâneo, ao contrário das fotografias estereoscópicas de então, que pretendiam criar um cenário dentro dos parâmetros esperados. A pintura impressionista quer parecer instantânea, – sendo esta uma das principais características da fotografia –, embora a fotografia representasse figuras em poses planeadas e artificiais. A noção de “fotografia pictórica” surge como a expressão da tentativa de atribuir um estatuto de Arte à fotografia, contrariando as ideias de teóricos da arte do século XIX, como Charles Baudelaire. Assim, enquanto a fotografia queria ser vista como arte, o Impressionismo, pelo contrário, queria evitar todas as regras académicas da pintura, o que nos leva a assumir que este movimento teve um novo percurso, não se baseando somente nas inovações fotográficas. Apesar das suas diferenças, a fotografia e a pintura partilham um interesse pela luz, pela representação da realidade contemporânea e produzem principalmente retratos e paisagens. Também por estes motivos, é assumida uma proximidade histórico-artística entre as duas vertentes. Em suma, o artigo do Kirk Varnedoe não parece divergir-se por completo da realidade da relação entre a fotografia e o movimento impressionista, mencionando vários aspectos que devem ser tidos em consideração, mas ignorando algumas das evidências que apontam para uma certa cumplicidade das duas técnicas desde então estudada, como, por exemplo, no artigo Impressionism and Photography (2009) de Françoise Heilbrun. Neste é afirmado que, embora não existam registos concretos, é possível encontrar semelhanças entre as pinturas impressionistas e os enquadramentos fotográficos, na medida em que os artistas responderiam às inovações visuais da sua época. O Impressionismo não deve à fotografia a influência dos seus significados, mas podemos verificar, através de leituras e pesquisas posteriores, que esta serviu como um instrumento de suporte, facilitando o trabalho dos artistas impressionistas, bem como de exploração de técnicas. Também a fotografia deve ao Movimento Impressionista uma nova aceitação de composições, primeiramente exploradas por pinturas, consequentes de toda a evolução pictórica feita ao longo da modernidade e contemporaneidade. Coincidentemente, a primeira exposição impressionista tomou lugar no estúdio fotográfico de Félix Nadar, situado na Boulevard des Capucines, em Paris. Deste modo, concluo que ambas as técnicas, fotográfica e impressionista, convergem num ponto em comum, deixando obras que refletem um novo olhar sobre o mundo contemporâneo. * GALASSI, Peter. (1981) Before Photography: Painting and the Invention of Photography. New York: The Museum of Modern Art. HEILBRUN, Françoise (2009). “Impressionism and Photography” in History of Photography, Volume 33 – Issue 1, pp. 18-25. VARNEDOE, Kirk (1986). “The Artifice of Candor: Impressionism and Photography Reconsidered” in Perspectives on Photography: Essays in Honor of Beaumont Newhall, ed. WALCH, Peter and BARROW, Thomas. Albuquerque: University of New Mexico), pp. 99-123. HOPE, Andrea (May 5, 2015). “Impressionism – The Influence of Photography” in Kiama Art Gallery: Stories About Modern Art. Disponível online em: https://kiamaartgallery.wordpress.com/2015/05/05/impressionism-the-influence-ofphotography/ (Acesso a 22 de Maio de 2020). - Um texto de Diana Sommer Publicação original a 14-11-20 Revisto a 21-11-20 |